A ENTREVISTA


Estou deitada com os olhos abertos olhando pro teto. No chão, ao lado da minha cama está minha amiga, que dormiu na minha casa por que achou que eu não teria condições para chegar em casa e acordar cedo no outro dia pra entrevista. Ontem bebemos horrores, minha cabeça dói, minha garganta ta seca, meu figado pedindo pra sair. To rouca. Não vou pra entrevista nenhuma. Viro pro lado da parede e fecho os olhos, minha amiga acorda e se joga em cima de mim fazendo montinho. Eu resmungo. Não vou pra entrevista nenhuma. 
Eu sempre faço isso, arquiteto mil planos, acordar cedo, tomar um banho, um café, ler um jornal e ir trabalhar. É um belo plano, mas ele está apenas na minha cabeça. Na vida real, eu sempre acordo em cima da hora, tomo banho de gato e pego a primeira calça leggie que encontro no guarda-roupa ou no chão. Agora minha amiga tá gritando comigo, tá dizendo que eu vou e pronto. Agora ela pegou pesado, disse que se eu não for, vai chamar minha mãe. Fiquei com medo e levantei da cama, mas daí lembrei que a entrevista é lá em Osasco e eu moro em Diadema. Mas minha amiga já tá saindo do quarto e indo bater no quarto da minha mãe, vou ter que ir. Tomo um banho rápido e finjo que estou ansiosa pra entrevista, já percebi que vou me atrasar. Mas dentro de mim em algum lugar sei que não vou passar, imagina eu? trabalhar numa emissora? Nunca.

Pegamos o ônibus 15 pras 13h, minha entrevista é às 14h, não vou chegar no horário nunca. Mas minha amiga que tá se achando minha anja da guarda, não quer que eu perca essa entrevista, ela me faz ligar lá e dizer que vou me atrasar. Mas mesmo assim beleza! Vou atravessar São Paulo, tenho tempo de dormir no ônibus. Quando estávamos perto do shopping Morumbi, entrou um grandalhão dos olhos azuis e sentou na minha frente. Eu, que estava com sono, de ressaca e mau humor na hora acordei. Mas daí lembrei que estou indo do extremo Sul ao extremo Oeste e me esparramei na poltrona de novo. Pelo menos pegamos um ônibus intermunicipal descente né? Tem até cortininhas.
Chegamos na tal emissora com 40 minutos de atraso, minha amiga teve a grande ideia de pegarmos um táxi depois do ônibus  e acho que com isso comemos 10 minutos de atraso. Chegando lá ela não pode entrar e eu rio. Que bom, quem mandou me obrigar a vir pra cá? podíamos ter continuado a bebedeira de ontem. Menina má. 

Ela vai ter que me esperar no estacionamento. Eu entro carregada pelo meu espirito e minha cara de sono estampada, nem me dei ao luxo de passar um batom, afinal quem disse que eu vou passar?
Todos estão mais ansiosos que eu e isso me deixa frustrada. Apesar de eu saber que nunca farei outra coisa na vida, escrever ainda é um mistério. Mas meus amigos e minha família acreditam em mim e é por causa deles que estou aqui. Mentira é por causa de mim também. Afinal eu sou boa no que faço não sou? ou eu tento ser.

Na 8° série minha professora de português pediu pra classe fazer um texto falando da vida, eu relatei em duas paginas a analogia da vida criada por mim, e ainda divulguei o texto mostrando pros meus amigos. Só pra eles me parabenizarem depois. Menina amostrada. Ela foi a primeira pessoa que me disse que eu não conseguiria fazer outra coisa da vida. Ela também acreditava em mim. Essas pessoas tem essa mania de acreditar em mim. Coisa estranha.

Vou até o banheiro e me olho no espelho, agora eu estou bem nervosa. Lavo o rosto, passo o tal do batom. Tento mostrar segurança, fico mais 10 minutos em frente ao espelho ensaiando como relatar minha vida. - Bom, eu trabalhei dois anos numa livraria... Estudo jornalismo... Já fiz inglês (mas não sei nada), gosto de  escrever, mas preciso beber umas pra inspiração chegar. Não. Não. Eu não posso falar isso, concentra Bia. Concentra. Agora vai:
Tanto tempo sonhando com o dia que eu contaria pra alguém importante os sonhos que tenho, tanto tempo imaginando eu explicando as diversas razões pela qual uma empresa deveria me contratar. Entrei num mercado fechado, sabendo que não seria fácil  e no meio do caminho desiludi. Mas agora tenho uma chance. Vendo meu reflexo no espelho, lembro do dia em que eu contei pro meu amigo que tinha uma entrevista nessa emissora, posso ouvir a voz dele falando "Não vai cagar nessa entrevista também viu?" Não. Não. Não vou cagar nessa entrevista também. Segurança. Segurança. Minha amiga está lá fora esperando uma noticia boa, minha outra amiga não para de me mandar mensagem, minha avó tá em casa rezando pelo meu futuro. Lembro do meu pai falando que venderia as cuecas pra pagar minha faculdade. Lembro da menina da minha sala dizendo que eu tenho potencial. Um pequeno clipe passa pela minha cabeça. Eu no chão caída derrotada, a Nobel me deu um chute, a menina da editora ainda me liga perguntando porque não faço mais o encalhe. "Ana, não to mais lá... sabe como é né? me demitiram, o chefe disse que a causa é meu mau humor." To com os olhos cheios de sangue porque sinto raiva e vergonha, preciso passar. Com a voz do meu irmão na minha cabeça: "Tenho tanto orgulho de você" saiu do banheiro e dou minha ficha pra moça da recepção  Ela chama a diretora de área que me guia até a sala de reuniões, agora não tem mais jeito. É tudo ou nada.



Bianca Araújo


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