Você se lembra quando nos conhecemos?
Eu ainda estava doente. Você percebeu isso e eu
fiquei morrendo de vergonha. Eu te vi na emissora com uns colegas, você usava
uma camisa branca despojada com o John Lennon estampado, uma calça jeans larga
demais e um tênis qualquer. Você era, ou melhor, sempre foi tão... Seguro. Tudo
em você exalava segurança e domínio, sua postura era perfeitamente ereta e, ao
mesmo tempo, relaxada. Como você conseguia?
Só que isso, de alguma forma, me incomodava. A
forma como você me olhou naquele dia me quebrou, Alfonso. Você passeou os olhos
por cada centímetro do meu rosto, eu senti minhas bochechas queimarem com o seu
olhar inquisidor. E depois, sem nenhum pudor, você desceu os olhos pelo meu
corpo. Como se fizesse aquilo todos os dias, sem nenhuma vergonha. Você
simplesmente passeou os olhos pelos meus seios, pelas minhas coxas, pela minha
cintura, tudo isso com uma segurança malditamente dolorosa. Eu senti, naquele
momento, que algo em mim te instigou. Eu não sei o quê nem o por quê, mas
algo em mim despertou algo em você.
Fiquei com
vergonha, pois ainda estava muito magra, mas você não me fitava com olhar de dó
ou piedade, muito pelo contrário, você me olhava com... Desejo. Intensidade.
Ânsia. Febre. Era como se você, apenas com um olhar, conseguisse enxergar cada
um dos meus pecados, cada um dos meus medos, cada um dos meus erros e,
conseqüentemente, cada um dos meus acertos. E eu me senti instintivamente
ligada a você. Eu nunca tentei explicar o que senti naquele momento e o que
senti nos anos à frente por você. Era uma coisa tão irreal, tão sobrenatural,
tão asfixiadora, que eu constantemente achei que estivesse louca. E que estava
ilusionando um amor que não existia. Sabe aqueles amores de escola? Então, eu
realmente achei que era só aquilo. Cheguei a me questionar algumas vezes, será
que eu estava realmente apaixonadinha por você? Eu nunca fui disso.
E eu sabia, Alfonso, eu soube, naquele exato
momento, que você faria parte da minha pele para sempre. Você veio até mim e eu
quase não consegui dizer nada. As palavras simplesmente fugiram do meu cérebro,
eu fiquei paralisada, prendi a respiração e fiquei te olhando como uma idiota.
Uma verdadeira idiota. Seus olhos verdes intensos queimavam meu rosto como fogo
vivo. Então, para claramente fugir do seu olhar, eu fitei o chão. Seu tênis
desleixado estava com o cadarço desamarrado e eu não consegui não rir. Um riso
de nervoso, como se eu achasse aquilo extremamente prepotente da sua parte. Sentia-me,
na verdade, ultrajada com toda aquela sua segurança, todo aquele seu poder
extraordinariamente irritante. Alfonso você era a própria segurança em pessoa,
você era desleixado, não penteava o cabelo e falava com aquele sorriso de lado
tão debochado que me irritava demais. E eu quis matar você, Alfonso, eu juro
que esse foi meu sentimento. Matar cada pequeno pedaço de confiança que existia
em você, mas quando você sorriu, eu vi seus dentes brancos perfeitamente
alinhados, a maça do rosto totalmente relaxada, naquele misero pedaço de instante
eu soube, Alfonso, ah se eu soube, que se qualquer parte de você morresse, nem
que fosse uma unha, eu morreria junto. E eu quis ficar viva para te ver viver.
Você foi o motivo de eu sobreviver. Eu quis te ver brilhar.
O tempo foi passando e eu descobri que faria novela
com você, essa notícia foi como um murro na boca do meu estomago, causou uma
reviravolta tremenda em mim, você não tem noção. Toda vez que eu te via ou que
estávamos no mesmo ambiente eu ficava fora de mim, fora de quem eu era. Eu
criava trejeitos que não tinha, mexia no cabelo o tempo todo, gesticulava com
as mãos, estralava os dedos, estava sempre, Poncho, sempre nervosa. Você me
deixava muito nervosa. E eu quis, por muito tempo, entender aquele sentimento. Eu
juro que quis, dentro de mim eu questionava tudo o que eu era quando estava com
você porque, afinal, eu me tornava um alter ego de mim mesma. Cara, e aquilo
era assustador.
Você era o
namorado da Dulce e eu juro que escondi até onde eu pude o que sentia. Escondi
até mesmo de mim mesma, eu tinha uma queda, ou melhor, um tombo, Alfonso, você
sim quebrou meu esquema. Você não tem idéia de como era minha vida antes de
você aparecer nela. Eu me recuperei da doença. E resolvi que queria ficar cada
vez mais bonita porque eu percebia que mexia com você, então apesar de tudo
minha vaidade continuava intacta. Eu pedia, no meu interior, pra te ver. Eu
passava em lugares específicos para encontrar você. Eu fui à lanchonete,
repetidas vezes, para ver se te encontrava. E te encontrei, Alfonso, eu dei
sorte e te encontrei algumas vezes. Nós conversávamos, era uma conversa
estranha porque só falávamos de trabalho, de papeis, cenas, sets e tudo mais.
Só que uma vez você me perguntou da minha doença. Você sabia. Eu sabia que você
sabia. Todo mundo sabia, afinal. Só você não me perguntou com pena, com medo da
resposta. Você me perguntou de uma forma energeticamente só sua, que eu venerei
ainda mais. Eu te venerava muito.
- Você está cada dia mais linda – você disse me
olhando, intensamente, e eu sabia que estava falando da melhora da doença.
Você tentou
ser sutil, mas não conseguiu. Você nunca foi bom em ser sutil. Nos próximos
anos que se passaram nós continuamos nessa briga interna e, convenhamos,
instigante de olhares e sensações. Eu sabia que você também sentia. Eu não sei,
mas de alguma forma eu sabia. Nosso
toque era sempre raro, quase não nos tocávamos, acho que para não acontecer um
incêndio. Seu toque queimava minha pele e eu sabia, Alfonso, eu juro que sabia,
que meu toque também queimava a sua. A conexão que tínhamos naquela época, na
verdade, não era nem metade da que temos agora, mas ainda assim, era muito
grande. Hoje eu chamo aquilo de obsessão porque afinal com o passar dos anos eu
descobri que a conexão que tínhamos era muito maior que amor mesmo. Eu posso estar sendo dura falando isso, mas sei lá. Eu
simplesmente não via nós como duas pessoas apaixonadas, era mais como uma clara
e pura obsessão, ligação, vínculo ou como escolhemos chamar: Karma.
Era como se um fio nos ligasse para onde quer que
fossemos. Você me encontrava em multidões, Alfonso. Às vezes eu chegava a um
evento e quando olhava para trás ou para o lado lá estava você, de olho em mim.
E então você piscava e eu sorria de volta. Esse flerte durou anos. Seu namoro
com a Dulce durou anos também. E me machucava porque eu sabia que você gostava
muito dela. Só que a questão era, quando eu chegava você mudava, você ficava
diferente e a Dulce não percebia. Como ela não percebia?
Até hoje não sei. Eu só sei que esse começo
questionador, inquisidor, durou muitas vidas. E hoje eu só quero te dizer que...
Texto retirado do "Capítulo 16 - Eu quis ficar viva pra te ver viver", da minha Fanfic "Caminos Cruzados", disponível no Wattpad.


Essa carta me mata
ResponderExcluir