Uma semana sem inspirações

Já fazia uma semana que Anahí não escrevia nenhum texto para sua coluna no jornal local, um dia ela simplesmente acordou sem inspiração para escrever sobre qualquer tipo de coisa.
 A coluna de Anahí era sobre jovens e seus consumos abusivos de tudo, ela falava sobre sexo, drogas, bebidas alcoólicas e todos os outros tipos de perigos que vem junto com tudo isso. Pois bem, apesar do assunto de sua coluna, ela sempre frequentou baladas, bebeu muito, e sempre foi fumante desde os seus 15 anos. Mas desde que ganhou o emprego como colunista no jornal, começou a ganhar bem e nunca teve problemas em fazer o que dizia ser errado e impróprio em seus textos. Ninguém nunca falou a respeito. Pois bem.

 Sábado Anahí acordou com uma forte dor de cabeça, acendeu um cigarro e procurou seu notebook pra começar a escrever o novo texto da semana, não conseguiu digitar uma linha e tudo o que era digitado ela mesma apagava, o que estava acontecendo? Deixou a escrita de lado pela manhã e resolveu tentar no final do dia. Sentada em sua escrivaninha, tomando café puro tentou escrever sobre a nova onda de ecstasy que estava surgindo na pequena cidade, nada feito. A cidade onde Anahí morava era muito pequena e apesar disso sempre foi o lugar preferido dos festeiros de plantão, para eles nunca era tarde. Isso mesmo minha gente.
A jovem Aní se preocupou com a situação e resolveu ir falar com seu chefe, muito bem, vejamos o que o senhor Pedro Damían disse a ela:
- Minha cara, o fato de você fazer o que diz pros outros não fazerem na sua coluna não é problema meu e nem a sua falta de inspiração. Agora o meu jornal sem texto em uma das colunas mais importantes com toda essa onda de drogas que está tendo na cidade, isso sim é problema meu. Então lhe digo, se você não der um jeito nessa sua depressãozinha vou ter que chamar outra pessoa pra escrever sobre isso ou escrevo eu mesmo. Entendeu? - Anahí piscou duas vezes pra se certificar que ouvira aquilo - Espero que isso lhe de inspiração, agora vá para casa sente essa bunda na cadeira e faça o nosso texto.

Anahí saiu cabisbaixa não esperava aquela atitude, ela sempre foi uma ótima escritora e seu editor Pedro sempre a estimulou em tudo o que precisou, até hoje.
É incrível como as pessoas gostam das outras quando convém a elas não é?
Em um mundo onde tudo é desafio e manter um bom emprego significa desistir um pouco de você e de sua diversão fica difícil falar em coleguismo, ajuda e participação nos problemas. Principalmente quando falamos dos nossos chefes.
Sejamos sinceros meus amigos, nenhum chefe é amigo da gente, ou é?  Nossos chefes estão preocupados demais com a empresa, com os lucros, com os nossos erros, com as metas de vendas e com as coisas que por sinal já são ruins do que em ajudar nos nossos problemas profissionais e principalmente emocionais. Anahí tinha dois problemas profissional e emocional, e seu chefe não estava muito aí pra isso.
Em um local onde tudo é motivo pra tirar um bom profissional como numa redação, Aní deveria ter sido mais forte, ou talvez ter tido mais sorte.

Ela perdeu o emprego e a inspiração. Passou semanas sem saber o motivo de não conseguir escrever mais em sua coluna sobre jovens dependentes e afins. O editor não pensou duas vezes em manda-la para o olho da rua, e Anahí teve que se contentar com um emprego de vendedora na lojinha de flores de sua mãe.
Final trágico para nossa personagem principal, não é?
Depois de algum tempo Anahí que já estava desgastada de tentar escrever sobre aquilo, resolveu sentar-se pra escrever uma crônica pequena sobre sua vida.
Em um momento era ela olhando pra tela do Word vazia e no outro era ela deslizando seus dedos pelo teclado rapidamente, sem ao menos ler o que escrevia simplesmente colocava pra fora. Como um espirro, um grito de dor, um choro angustiado, alguns minutos depois o texto estava terminado, então nossa estrela leu atentamente.


Vou fazer um breve resumo de sua tese:
 “Nunca fui medíocre e nem deprimente, nunca tive problemas em festar à noite e escrever pela manhã, hoje sei que talvez tenha sido um pouco fraca e não profissional a respeito da minha coluna. Talvez eu devesse agora escrever sobre esportes, culinária, moda ou vida por que não?
Quem sabe assim alguma coisa me tira esse engasgo  que é pensar em cada coisa que me falaram e que eu tive que aguentar para continuar naquele jornal e acabar com um chute na bunda. Não estou escrevendo isso pra ninguém, estou falando pra mim mesma, pra ter com quem falar uma folha de papel vazia, alguém pra ler talvez, pra estar no meu lugar nem que seja mentalmente. Pelo menos alguma coisa eu aprendi com tudo isso, chefe é chefe e amigo é amigo.”
Teve mais algum melodrama barato que é desnecessário acrescentar nesse conto, afinal o que queremos com essa historia toda?!
Nem eu sei.
Às vezes as pessoas erram na forma de viver talvez, de escolher seus empregos, seus amigos, os lugares que visitam. As pessoas erram em mentir pras pessoas e com certeza a profissão do escritor é dar um pouco de verdade ao nosso mundo tão caprichoso e fantasioso. Outro fato é, nem todo mundo que dá conselhos aplica-o nele mesmo, não é verdade? 
A semana sem inspirações vai chegar em algum momento, bater na sua porta e ficar.  Você pode não ter inspiração pra comer, pra levantar da cama, pra ir a festas, pra brincar com seu cachorro ou pra arrumar seu quarto. Nós escritores ficamos sem inspiração pra escrever.
Triste realidade.
Ficar sem inspiração pra um escritor é como pegar um vírus imundo e só sair do hospital quando estiver curado (se tiver cura).
Nossa querida Aní tirou alguma lição disso tudo, espero que tiremos também, afinal tudo o que lemos é pra que se extraía alguma lição, não?

Bom, talvez não.

Bianca Araújo

Comentários

  1. Bianca, eu, como escritor, posso compreender perfeitamente seu texto, entretanto, há várias formas de lidar com a inspiração.
    Por vezes, a pressão ajuda-nos a trazer de volta a inspiração, como diz uma amiga baiana "a pulso", ou seja, na marra.
    Talvez Ana estivesse tão centrada nela mesma quanto seu chefe estava na empresa e não se deu conta que aquele sermão poderia ser o pontapé inicial para um novo texto.
    Eu, assumo, procrastino muito, já era pra ter finalizado muitos projetos inacabados, porém, ultimamente, venho tentando me policiar. Quando abro o pc, não me conecto sem antes escrever nem que seja uma página em A4 de minhas obras, esteja eu inspirado ou não, depois eu reviso e, mais inspirado, começo a retirar, mudar, refazer...
    A inspiração é traiçoeira e vil, quando resolve não dar as caras, pode derrubar um autor. Por esta razão, precisamos tentar obter um auto-controle da mente e lutar contra estes bloqueios.
    Sim, aconselhar é fácil, como mencionou e por vezes, também falho em meu intento.
    Contudo, nada é mais devastador a um autor do que procrastinar.

    http://escritoslisergicos.blogspot.com

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