Coisinhas em forma de castelo e outras merdas

E ai eu chego em casa às 6h da manhã de uma quarta, ando com passinhos leves que é pra não acordar ninguém, mas minha mãe já está bem acordada e me esperando na sacada. Como de costume. Eu dou um tchauzinho morno e sorrio amarelo. Ela continua me olhando feio. Aquele olhar ameaçador de "Você não tem jeito".
Eu ando rapidamente, dou um beijinho na testa dela e continuo a andar pelos corredores da casa. Mas tem algo de diferente nessa manhã de quarta, nessa manhã eu quero dormir até às 13h sem ter que me preocupar com a hora que o relógio tocar. Por que eu não to me importando muito com o que é que eu tenho que fazer mesmo às 10h? Por que chega, levantamos cedo todas as manhãs e vamos pra algum lugar que não é nosso, mas estamos lá todos os dias porque precisamos de algo, por que ninguém faz nada sem alguma coisa em troca certo? 

Então... eu pego as minhas coisinhas e empilho todas em cima da mesa e posso fazer um castelo com todos os papeis de notas e de documentos que não foram dados entrada no sistema. Sorrio, irônica. E o meu chefe olha do canto da sala dele e grita pra eu trabalhar, mas eu não ligo, não mais. Eu pego minha bolsa e sussurro alguma coisa idiota no ouvido do meu colega de trabalho porque pelo simples fato de ele estar comigo todos os dias desde que o mundo é mundo ele já é tão importante pra mim? Eu não sei. Tristemente lembro do carinha loiro que dei uns pegas no banheiro da balada, quando vou tomar jeito?Mas também tem aquele moço do 4º andar, ele finge que não tem nada comigo, mas quando todos vão embora me beija no canto da boca e diz que precisa de mim.
Valha me deus! Quanta hipocrisia!
E as pessoas se perguntam por que ela gosta tanto de mostrar que tá aqui?
Só por que quando eu vou ver to conversando com o dono do buteco, ou (surpresa!) estouá do lado da patricinha dona da festa dizendo como é lindo o vestido dela, eu posso até parecer séria nesses momentos. Então como carne com a mão e falo que gosto com sangue. Ai as pessoas fingem que não veem o meu senso de humor arrogante e fingem que morrem de rir das coisas mais imundas saídas diretamente da minha boquinha suja. Por que para ser feliz as pessoas precisam fingir que gostam umas das outras? Por que vocês me aguentam?

Eu não sei.

Finjo que não é comigo. Continuo com meu comportamento estranho. Pego as minhas coisinhas da mesa e empilho bonitinho em forma de castelo, quanta bagunça! Meu colega de trabalho me olha com aquele jeito sacana de quem quer me levar pro banheiro e bater no meu bumbum até eu gritar. Sorrio.
E eu falo pra ele quando to a ponto de me jogar de um precipício que aquela vida é chata de mais pra mim, e por que eu não gosto das coisinhas arrumadinhas em forma de fruta e porque tudo pra mim é sempre muito, muito pouco.

Desço as escadas de pressa por que preciso chegar logo do outro lado da rua e sentir a poluição do mundo invadir minhas narinas. Coisa boa!
Por que pra mim o pouco que é nunca vai ser o bastante, eu quero alguma coisa que me invada por dentro e destrua toda minha estrutura. E que me mude que me faça ter um pouco de noção de alguma coisa. Mas enquanto essa coisa não vem eu passo metade dos meus dias fugindo do trabalho que é ser escrava de pessoas medíocres que não ligam muito pro pouco que são, e minha mãe me entende, ou eu acho que ela me entende por que ela não fala nada. Ela só me olha da sacada e eu fico tentando decifrar o que tem por trás daqueles olhinhos azuis, por que ela parece saber mais do que eu? 

E eu quero saber porra! me diga mãe por que sou assim? por que tudo pra mim não é, ou não é o bastante e o que é nunca é de verdade?

E ela continua dando risada das coisas e falando alto, e me deixa sozinha na sala com a minha amiga nova, e me da dinheiro pra comprar um refrigerante de pêssego, mas não fala das minhas noitadas de terça, quarta e quinta. Não fala nada, e esse silencio me mata.

Bianca Araújo

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